
A Prefeitura de Gonçalves Dias publicou o Decreto nº 54/2025, regulamentando a margem consignável dos servidores ativos do município. O documento, extenso e minucioso, trata de regras para empréstimos consignados, limites de desconto em folha e obrigações entre instituições financeiras e o setor público municipal.
Apesar da formalidade, o decreto chega em um dos momentos mais delicados para os servidores, que enfrentam atrasos salariais consecutivos e uma crise financeira sem precedentes na gestão atual. A publicação, portanto, tem sido vista pela categoria e pela população como no mínimo inadequada e insensível, considerando o cenário enfrentado por trabalhadores que sequer estão recebendo seus vencimentos em dia.
A regulamentação de consignados só faz sentido em um ambiente de estabilidade financeira — algo inexistente hoje no município. O próprio decreto fala sobre proteção contra “superendividamento”, mas esquece que o servidor de Gonçalves Dias já está superendividado por culpa da gestão, que atrasa salários e gera insegurança econômica para centenas de famílias.
Em vez de apresentar um calendário oficial de pagamento, um plano de recuperação financeira, ou medidas concretas para garantir o básico — o salário do trabalhador —, a gestão prefere gastar energia regulamentando empréstimos.
É uma escolha, no mínimo, desconectada da realidade.
A pergunta que fica é simples:
Como regular empréstimos para quem não tem salário garantido?
O decreto até define regras detalhadas:
Mas nenhuma linha do documento menciona:
Ou seja, há cuidado com o consignado, mas nenhum cuidado com o servidor.
A população — especialmente os servidores — não queria decreto de consignado.
Queria transparência.
Queria respeito.
Queria pagamento.
Queria compromisso com quem trabalha.
Empurrar consignado para um servidor que está com contas atrasadas, crédito comprometido e vivendo sob incerteza é mais um golpe psicológico do que uma política pública. É tentar passar ao trabalhador a ideia de que “se vire”, enquanto o próprio município falha no seu dever mais básico.
O decreto poderia ser publicado em qualquer outro contexto.
Mas publicá-lo agora, com salários atrasados, comércio em crise, funcionários pedindo ajuda em grupos de mensagens e famílias sofrendo com a insegurança financeira, demonstra uma enorme falta de sensibilidade política e humana.
A gestão parece preocupada com o crédito consignado, mas não com o crédito moral que perdeu com os servidores e com a população.
É impossível falar de responsabilidade fiscal enquanto servidores enfrentam atrasos.
É contraditório falar de proteção contra endividamento quando a própria gestão empurra o servidor para o endividamento.
É incoerente regulamentar empréstimos quando a administração não consegue garantir o salário do mês.
O decreto pode até seguir a lei — mas não segue o bom senso, não segue a prioridade social e não segue o respeito ao trabalhador.
Gonçalves Dias precisa de gestão, não de maquiagem normativa.
Precisa pagar o que deve antes de tentar ensinar o servidor a lidar com dívidas que a própria gestão gera.